Meditação Sobre os Poderes Rubricavam os decretos, as folhas tristessobre a mesa dos seus poderes efémeros. Queriam ser reis, czares, tantas coisas, e rodeavam-se de pequenos corvos, palradores e reverentes, dos que repetem:
és grande, ninguém te iguala, ninguém.
Repartiam entre si os tesouros e as dádivas,
murmurando forjadas confidências,
não amando ninguém, nada respeitando.
Encantavam-se com o eco liquefeito
das suas vozes comandando, decretando.
Banqueteavam-se com a pequenez
de tudo quanto julgavam ser grande,
com os quadros, com o fulgor novo-rico
das vénias e dos protocolos. Vinha a morte
e mostrava-lhes como tudo é fugaz quando,
humanamente, se está de passagem,
corpo em trânsito para lado nenhum.
Acabaram sempre a chorar sobre a miséria
dos seus títulos afundados na terra lamacenta.
José Jorge Letria, in "Quem com Ferro Ama"
Banqueteiam-se a pavoneiam-se ainda, mas hoje deu para perceber que toda a arrogância e pequenez pententeada conduziram à revolta e um novo ciclo que se prevê de mudança e de justiça.
Não podemos esmurecer, mas sim, continuar a lutar.
Justitia Mater
Nas florestas solenes há o culto
Da eterna, íntima força primitiva:
Na serra, o grito audaz da alma cativa,
Do coração, em seu combate inulto:
No espaço constelado passa o vulto
Do inominado Alguém, que os sóis aviva:
No mar ouve-se a voz grave e aflitiva
D'um deus que luta, poderoso e inculto.
Mas nas negras cidades, onde solta
Se ergue, de sangue medida, a revolta,
Como incêndio que um vento bravo atiça,
Há mais alta missão, mais alta glória:
O combater, à grande luz da história,
Os combates eternos da Justiça!
Antero de Quental, in "Sonetos"